
3ª Premiação CSN na Construção Civil / 2001
Projeto Vencedor
equipe:
arq. luciano cersósimo
orientador arq. mario biselli
(projeto de conclusão de curso)
O TEMA
A proposta da Biblioteca Central de São Paulo busca adequação entre alguns aspectos como: postura diante o centro “retardatário” da cidade; inserção urbana nesse contexto como agente difusor de desenvolvimento e requalificação; vocação pública e social para um projeto com intenções de reacendimento de uma área, extensão democrática do conhecimento adequada ao programa da edificação; possibilidade de conexão com a Biblioteca Municipal Mário de Andrade; busca de uma concepção formal / espacial / estrutural com bases na representatividade da arquitetura nacional; assimilação como elemento marcante e simbólico para fomentar o centro e a própria produção cultural da cidade.
TEMPO / ESPAÇO / LUGAR – CONCEPÇÃO ESPACIAL
O centro esquecido não pode ser ligado de novo como se fosse um membro artificial implantado em velho corpo, mas deve gerar uma transformação geral da cidade, lançando novos fundamentos e novas imagens abertos a dinâmica de uma sociedade que vive no século XXI, e abrindo novos canais de comunicação que remetem ao futuro. A transformação da forma da futura cidade, tem que ser acompanhada por mudanças equivalentes da mentalidade de um lugar que vem sofrendo, no decorrer do último século, sucessivos processos de reconstrução, enquanto oportunidades para reestruturar, replanejar, repensar e refazer não devem ser perdidas numa solução simplista e anacrônica. O que se faz necessário é uma visão otimista do novo século: um repensar radical de zonas, funções, propriedade e programa. A identidade da cidade não pode ser refeita a partir de ruínas da história ou por meio de ilusórias reconstruções de um passado arbitrariamente selecionado, o que é preciso é uma conexão da cidade através da sua história. Essa conexão atravessa a relação do velho e do novo, do capitólio e do capital, do público e do privado, do “já” e do “ainda não”. Sua estrutura pode romper-se ou destruir-se em qualquer ponto, mas voltará a desenvolver-se a partir de uma de suas antigas linhas ou mediante linhas novas. Não terá rupturas hiper-significativas ou organização através de uma só estrutura, a articulação espacial combina-se com a eliminação de temporalidades lineares em favor de experiências de simultaneidade ou indeterminação. As ordens naturais “utilitas”, “firmitas” e “venustas” podem ser ocasionalmente substituídas ou sistematicamente eliminadas em favor de estruturas relacionadas as necessidades e a multiplicidade de velocidades em um mesmo espaço/tempo.
Não se deve dar prioridade a estilo ou sistema algum, uma realidade heterogênea e pluralística é o objetivo. O que não se pode perder diante dessa realidade é o caráter perene (ou ao menos duradouro) que qualquer sistema deve possuir numa realidade urbana de proporções culturais, sociais, políticas e econômicas, que não se alteram tão rapidamente em uma metrópole como São Paulo; da presença de testemunhas, datas, símbolos que podem determinar um fato urbano, mas que admitimos ter um “tempo de vida”, e portanto, poderem ser “substituídos”, ou melhor, suprimidos.
A biblioteca deve ser de livre acesso, entre leitor, e estantes, assim a distribuição do programa dentro dos pavimentos busca uma clareza onde o saber possa estar acessível a qualquer pessoa. A questão urbana influenciou na distribuição do lay-out, uma vez que pretendeu-se que sobre o viaduto, a edificação deveria ser o mais transparente possível. Dessa forma, logo após ao vigor estabelecido pela torre de concreto, segue-se um grande vazio sobre o viaduto, para então o edifício começar a materializar-se novamente e ter sua “massa” totalmente recuperada quando, na outra extremidade, conecta-se à densidade estabelecida pelo “corredor” edificado da Av. 9 de julho. Este edifício abrigará o acervo da biblioteca, e em seus aproximadamente 40.000m2, terá capacidade para 2.000.000 de volumes.
O projeto passa a ser um novo ponto focal para o eixo da Av. São Luis, ele traz esse ponto justamente para um local onde a condição do desenho urbano destoa ao restante da região. Tem a pretensão de ser um projeto para a cidade e não na cidade, um lugar que possa a vir se tornar fato urbano, fazer-se presente na paisagem e tornar-se símbolo da instituição do saber e do ensino.
A modificação e o impacto em um desenho pré-estabelecido da cidade, choca, mas ao mesmo tempo que desfruta dessa monumentalidade, se analisado junto a seu entorno imediato, possui um caráter humano, numa escala quase íntima, onde se utiliza de espaços reminiscentes dentre a floresta edificada, devolvendo-o às pessoas e ao desenho da paisagem urbana.
BIBLIOTECA / CONHECIMENTO / SIMBOLOGIA
A biblioteca não é mais um edifício depositário de informação, modificações na informação geraram impacto no tipo de espaço, que deve oferecer liberdade de acesso à todo tipo de conhecimento à qualquer hora. Assim, a Biblioteca que desde seus primórdios teve uma função definida e evoluiu de acordo com as concepções espaciais relacionadas à seu tempo, agora passa por uma revolução ao ter que adequar-se ao um novo programa capaz de atender à modificações significativas no processo de difusão do conhecimento.
O desafio passa a ser o delineamento das zonas de atividade dos indivíduos, dentro do caráter depositário, acessível e expansivo de um complexo bibliotecário, principalmente diante às inovações que as áreas de conhecimento e informação vem sofrendo no decorrer das últimas décadas. Seu caráter de individualidade que até mesmo na “era digital” não deve alterar a relação individuo / saber. Essa relação deve ser condicionada sob aspectos espaciais.
“Um edifício de biblioteca deve oferecer um sistema de espaços adaptável às necessidades no tempo; os espaços e sua consequente forma como edifício deveria originar-se de amplas interpretações do uso, em detrimento à satisfação do programa para um sistema de operação específico… Uma biblioteca projetada ao redor de influencias incipientes de padronizar o armazenamento de livros e necessidades de leitura, pode levar a uma forma com dois espaços característicos distintos: um para pessoas e outro para livros, enquanto livros e leitores não se relacionam de uma maneira estática.”
Louis Kahn.
Algumas experiências espaciais no decorrer dos séculos apresentaram soluções diferenciadas com seus respectivos propósitos: desde a separação categórica entre espaços de leitura e setor de depósitos de livros; distribuição linear que remete à uma leitura sequencial; apresentação simultânea num único espaço, onde as estantes definem uma verdadeira “arena de conhecimento” típicos da cenografia espacial buscada no projeto barroco, etc.
O que torna-se evidente é a necessidade de interação entre indivíduo e conhecimento que não pode ser mediada pela figura da bibliotecária, a fim de que a biblioteca não torne-se nada mais do que um simples catálogo ou volume. Outro desafio é a problemática instituída pelos modelos de catalogação, mais numéricos ou lineares do que espaciais, levando à banalização pela simples adequação do programa ao um sistema de operação. O bibliotecário passa a ser o “arquiteto”, agenciando e organizando espacialmente a experiência do leitor à conveniência do sistema. No entanto a dissolução de fronteiras entre as disciplinas tradicionais e a demanda por complexas interconexões entre as divisões do conhecimento, obriga uma analogia espacial. As funções do arquiteto e do bibliotecário não poderão mais se permear. Um como agenciador das zonas espaciais do usuário diante o edifício, e o outro, não como compilador de catálogos, e sim como orientador no processo de interação entre leitores e o edifício / informação.
A recepção de um texto pode ser condicionada pelo entorno físico e fisiológico em que é lido, a biblioteca precisa então estabelecer um espaço humanamente centrado, rico em possibilidades que recorram aos sentidos e a psique. A arquitetura espacial do conhecimento precisa ser reveladora e propiciar justaposições e correlações.
Em “The Order of Books”, Roger Chartier discute o impacto da apresentação do texto sobre o processo de leitura e compreensão: “A organização das palavras na página, seu formato e fonte, ao longo de uma formatação, tem potencial de mudar a interpretação do conteúdo. Formas afetam conhecimentos na passagem do codex para a mídia, o mesmo texto não é necessariamente o mesmo por que a nova necessidade formal de oferecer isso ao leitor modifica as condições de sua recepção e compreensão. ”
Os rumos que esse tipo de instituição tomarão ainda são motivo de intermináveis debates, alguns chegam a afirmar que bibliotecas cairão em desuso, mas o que torna-se mais palpável é a discussão no meio arquitetônico, onde o valor atribuído à instituição biblioteca, sua coleção, aspecto cultural e concepção arquitetônica podem condicionar o processo de conhecimento e coreografar os movimentos da mente humana, num local que resulta do encontro entre um grande espaço público e um calmo e introvertido mundo projetado para livros e leitores. O próprio caráter simbólico desse tipo de instituição não a deixa em condição anacrônica independentemente do tipo de atividade que abrigará.
REAL / VIRTUAL
Bibliotecas on line já são uma realidade, através de web sites pode-se acessar centenas de bibliotecas, consultar seus catálogos, acervo e até usufruir de arquivos de áudio e vídeo. Algumas home pages permitem ainda, livre acesso a centenas de editoras, lojas de livro e mais de cem outras formas de pesquisa. Um acervo de livros raros e únicos, já está digitalizado e podem ser lidos em qualquer parte do mundo.
Como a tecnologia da informação redefinirá as bibliotecas e que tipos de desafios os arquitetos encontrarão para criar um “lugar na era do cyberspace”? Willian Mitchell defende que com a emergente biblioteca virtual ou digital não restará nada para simboliza-la, enquanto Koolhaas contesta que o real significado da biblioteca é seu papel simbólico, que responde ao persistente desejo pela coletividade apesar da nossa transferência do meio físico para o virtual, “somos criaturas sociais que precisam pertencer a grupos e comunidades… simulações virtuais não podem preencher as necessidades de comunicação inter-pessoal.”
O desafio arquitetônico é projetar espaços que sintetizem tanto o mundo virtual como o real e que continuem buscando as constantes demandas de mudanças do desenvolvimento tecnológico.
Essa tecnologia poderá modificar radicalmente a definição de livro. Interfaces gráficas (com o mesmo tamanho de um livro) poderão combinar informações, imagens, gráficos, áudio e até animações da maneira que a pessoa desejar. Isso direcionará artistas, autores e até arquitetos a desenvolver novas formas de trabalhos interativos num caminho não linear e não hierárquico. A autoria entrará em questão, a identidade do autor e a compreensão do trabalho estarão em fluxo constante. A tecnologia transformará o “consumidor” de informação em produtores de informação, o papel de leitor, autor e editor será fluido e correlacionado.
E a instituição biblioteca? Como ficará diante o fato de a informação ir aonde o “leitor” está?
A biblioteca e o bibliotecário não desaparecerão, pelo contrário, atuarão como editores e “quase editoras”. Eles irão catalogar o enorme fluxo de informação gerado todos os dias, e além disso, compilar, editar e publicar “livros” conforme a necessidade de cada um. A difícil interação de áreas dentro de cada biblioteca (sistemas) torna o meio digital mais fácil de se encontrar o que procura, mas o sistema da biblioteca deverá permitir uma conexão global onde as pessoas poderão acessar, editar e publicar informações da web e de bibliotecas de todo o mundo.
A ESTRUTURA
O espaço é criado pela própria forma estrutural: um gesto que gera uma estrutura arquitetônica, inserida de maneira poética no contexto urbano, torna-se símbolo.
A postura parte da intensão de preencher uma porção desocupada da cidade levando em conta as forças emanadas do lugar e ao mesmo tempo abrindo novas possibilidades para um repensar da condição de desenvolvimento das estruturas urbanas de um futuro próximo.
Um edifício com um grande vão sobrepõe dois viadutos, que por sua vez, cruzam um eixo de circulação de cunho metropolitano. “A ponte sobre as pontes deve ser pensada como tal”.
Uma ponte de 180m. Em uma torre (pórtico) de concreto se engasta uma treliça espacial, que deixa um vão de 157,5m, para então apoiar dois de seus nós em grandes pilares, que funcionam como um apoio articulado móvel. Um balanço de 22,5m contrabalanceia os esforços na estrutura.
Essa grande estrutura conforma um espaço onde 8 “pontes” sobrepostas, com uma superfície de 180x21m de área livre, estão à disposição das necessidades do programa de uma biblioteca contemporânea e abertos às incógnitas que este tipo de instituição deverá exercer no futuro.
O sistema é formado pela treliça, responsável por vencer o grande vão, e por um sistema estrutural de vigas (parafusadas). As vigas que se engastam na treliça definem a chamada estrutura secundaria conformando uma modulação inicial de 22,5 x 21m e assim a cadeia se sucede até a chamada estrutura quaternária, que chega a uma modulação de 3,75 x 3,0m. Sobre este modulo(vigamento) fixa-se uma grelha metálica que exerce a função de uma laje para, finalmente, sobre esta apoiar-se o piso de vidro laminado. A estrutura pretende dessa forma ser o mais transparente possível e ao mesmo tempo estar visível em todos os pontos do projeto.
O esquema estrutural modular permite modificações na configuração espacial do projeto uma vez que pode-se remover ou adicionar desde pequenos pedaços de “laje” até pavimentos inteiros, adequando-se a novos programas de biblioteca.
A monumentalidade do edifício é amenizada pela clareza de seu funcionamento estrutural e a transparência, que permite que a luz atravesse o projeto em qualquer ângulo, transforma-o em uma grande gaiola iluminada (Henri Labrouste), repleta de conhecimento e voltada para os olhares da cidade.